sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

"Nesta escola não existe..."



Nesta escola não existe o aluno 18, da sexta série B.
Existe, é claro, o Ricardo que tem olhos azuis e é filho do Sr. Guilherme e de dona Margarida. Ricardo é um menino inteligente, vivo, brincalhão ainda que tenha sérias dificuldades para perceber com clareza os limites que separam seus anseios de liberdade e os que a escola está buscando estruturar. Resiste como toda criança inteligência o faz, mas seu progresso é indiscutível, sobretudo depois que conversando com o Sr. Guilherme e dona Margarida pudemos mostrar que toda escola é uma continuidade do lar. Não apresenta qualquer dificuldade de aprendizagem, mas como não gosta muito de estudar e, por isso, necessita de reforço, já providenciado, em algumas disciplinas. Estamos pensando sempre no futuro de Ricardo, mas em nenhum instante esquecemos seu presente e, por isso, sem que saiba consome nossas discussões e nossas preocupações em fazê-lo cada vez mais feliz, cada vez mais envolvido no que aprende e na indispensável relação entre o saber e o viver.
Nesta escola não existe o professor de Matemática, da sexta série B.
Existe o Luiz Henrique que ensina disciplina para essa série e que nos interessa tanto quanto profissional como por seus valores humanos. Investimos com firmeza em seu aperfeiçoamento, instigamo-lo a crescer sempre e aprender cada vez mais e mostramos com insistência que o prazer com que divaga pelos números e pelas formas geométricas deve ser o mesmo com que mergulha nos segredos da aprendizagem e nos valores de uma avaliação formativa. Luiz Henrique tem duas filhas e atravessa momento difícil em sua relação com Márcia sua esposa. Sabemos de suas dificuldades e com extremo respeito para não atravessarmos a tênue barreira entre seu direito à privacidade e sua necessidade de ajuda, colocamos nosso serviço de orientação psicológica ao seu dispor. Confiamos em nossos mestres e sabemos que para torná-los ainda melhores é preciso ajudá-lo muito, cuidar sempre de seu trabalho e de sua segurança, de sua alegria em ensinar e sua imensa vontade em viver.
Nesta escola não existe a funcionária do turno da manhã que cuida da limpeza dos banheiros.
Existe a senhora Ivani que desempenha essa função, mas que para nós não é, e jamais será apenas um vago Recurso Humano, mas pessoa viva e capaz que merece nossa atenção, tanto quanto a merecem pessoas como Ricardo e Guilherme, Margarida e Márcia, Luiz Henrique e outros muitos. Sabemos que em sua tarefa de cuidar, a senhora Ivani é importante educadora e por isso mesmo ao contratá-la analfabeta, orgulhamo-nos de ensiná-la e de com seu crescer, fortalecer sua auto-estima e encontrar a dignidade no importante trabalho que executa. Sua saúde nos preocupa e, por esse motivo, cuidamos de forma permanente de sua educação alimentar, da higiene no lar e no trabalho e na medida do possível, buscamos ajudá-la em sua vida como mãe e como mulher, pois sabemos que quanto mais crescer, mais fará pela obra maravilhosa do crescimento de todos nós.
Nesta escola não existe...
Desculpe a divagação. Melhor seria pisar fundo na terra, descer dessa cavalgada de sonhos pela escola que buscamos e crer que a frase ficaria melhor composta se disséssemos “esta escola não existe”.  Entretanto não é necessário renunciar a esperança e nem acreditar que a crua realidade seja menos fantasiosa que a delícia do sonho, e assim pensar: que pena, essa escola “ainda” não existe.                                                                 
 (Celso Antunes)

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